sábado, 25 de dezembro de 2010

O próximo passo




"Minha maior esperança é que, da mesma forma que o homem, um dia, livrou a consciência do matriarcado ctônico, a mulher hoje, possa ajudar a livrar a consciência do patriarcado (...)
O dragão que agora devemos combater é simplesmente a própria estrutura egóica, e o novo ‘tesouro difícil de conquistar’ é a consciência centáurica e psíquica. (...)

Hoje precisamos desenvolver a intuição e a consciência alerta, mas passiva, do mesmo modo que ontem tivemos de desenvolver tão desesperadamente a lógica assertiva e a mentalidade ativa. O novo Herói será centáurico (o que significa mente e corpo unidos e não dissociados), integral, mentalmente hermafrodito, psíquico, intuitivo e racional, masculino e feminino – e a liderança desse novo desenvolvimento pode vir mais facilmente da mulher, uma vez que nossa sociedade já está adaptada ao masculino.

Mas, a menos que os homens parem de se matar (e matar outros) a fim de sentir fortes e calmos; a menos que as mulheres parem de encorajar exatamente esse comportamento como prova do ‘verdadeiro homem’; a menos que os chauvinistas acertem suas contas com sua própria masculinidade e deixem de explorar suas irmãs como defesa; a menos que as iradas feministas parem, por um lado de reativar obsessões matriarcais ctônicas de ‘somente as mulheres’ e, por outro, de tentar cooptar a odiosidade patriarcal; a menos que as intelectuais feministas parem de perguntar o que significa ser verdadeiramente mulher e, em vez disso, comecem a perguntar o que significa ser humano e integral, independentemente de sexo – então o patriarcado, o ego mental, que cumpriu sua função necessária e útil, embora intermediária, e ao qual, por isso, temos muito a agradecer, não obstante em breve provará, literalmente, ser a causa da morte de todos nós."

(Ken Wilber, em Éden: queda ou ascensão?)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

bossa zen



Eis que degustando um pouco de budismo e um pouco de violão, encontrei essa canção de Tom Jobim e Newton Mendonça, que para mim descreve um pouco a essência do Zen-Budismo...

Mais um delicioso encontro:

Meditação

"Quem acreditou
No amor, no sorriso, na flor
Entao sonhou, sonhou...
E perdeu a paz
O amor, o sorriso e a flor
Se transformam depressa demais

Quem, no coraçao
Abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder
E, na solidao
Procurou um caminho e seguiu,
Já descrente de um dia feliz

Quem chorou, chorou
E tanto que seu pranto já secou
Quem depois voltou
Ao amor, ao sorriso e à flor
Então tudo encontrou
E a própria dor
Revelou o caminho do amor
E a tristeza acabou"

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

diálogo



"É que penso e ajo como se soubesse na carne quais as potencialidades verdadeiras do Brasil, por ter entrado num diálogo com suas motivações profundas - e simplesmente não concluo que somos um mero fracasso fatal.

Aprendi então a reconhecer os indícios de formação de forças regeneradoras e, embora saiba que aposto com alto risco, sempre sou levado a dobrar minhas fichas."

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

meu irmão fazendo arte



experimentinho musical e com imagens.
stop motions no minhocão.
música gravada por uma pessoa só em vários instrumentos mixados.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

raízes




Algumas das coisas que tem marcado minha fase atual são questionar e observar a falta de noção e interesse que as pessoas tem pela política (incluindo a mim próprio); como em certos lugares e grupos a cultura e a história brasileira são valorizadas e vivenciadas; e a relação das pessoas com o trabalho.

É um momento nem sempre confortável, mas um tanto quanto delicioso.

Vale a pena relatar uma experiência de ontem à noite, que foi o impulso final pra sentar e escrever, junto com uma manhã extremamente favorável.

Conheci, finalmente, a comunidade Samba da Vela, em Santo Amaro.

E entre todas essas reflexões, de trabalho, cultura e política, me desliguei um pouco de mim mesmo e me deixei levar por música de altíssima qualidade (samba de verdade eu diria!), pessoas mais velhas do que eu e de uma simpatia envolvente, e como se não bastasse, um pouco depois de a vela se apagar, fui servido com saboroso caldo de galinha com salsão e coentro!

Não cheguei, óbvio, a nenhum tipo de conclusão sobre essas idéias que me (re)visitam. Entretanto, ouvindo os seguintes versos senti meus pé se enterrarem no chão de cimento como se fosse terra, e me senti em contato com as minhas mais profundas e antigas raízes, e então desejei comigo mesmo:

'Se o mundo está dividido entre aqueles que gostam de por-do-sol e aqueles que não gostam ou são indiferentes a ele, espero que a idade, o trabalho ou qualquer outra passagem não me tirem deste primeiro grupo, onde eu me sinto tão em casa'.


"O samba vem de nossas raízes
Conta a história de nossa gente
O samba está no sangue do Brasil
De brancos, índios e afro-descendentes"

terça-feira, 10 de agosto de 2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Camomila



"Chá Leão Camomila é assim mesmo, fala baixinho, saboreando calmamente cada palavra. Para ele, rápido é coisa que só acontece em filmes de ação. Se o mundo passasse em câmera lenta, a Camomila ia ficar feliz, tão feliz que ia passar a tarde inteira na rede. Indo e vindo, até o dia cair bem tranquilo."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

um sonho bom




E então, depois de rever diversos amigos em uma noite muito agradável, eu me deitei no meu colchão novo e tive um sonho mais ou menos assim:

Era um dia de bastante sol, e céu completamente azul. Cheguei, dirigindo, em uma rua cheia de lindas casinhas. Sem cerca, sem portão, sem muro e sem prédios.
Fui recebido com coisas típicas do meu país: música boa, comida ótima, e uma família alegre e simpática! Enfim, recebido em um lugar onde reinava a alegria. Com abraços gostosos e sorrisos impactantes.
Cumprimentei todos, um a um, e fiz meu pratinho: arroz bem temperado, berinjela picada com abobrinha e azeitona, uma farofa diferente e linguicinha com pimenta.

Lá tinha um cachorro amigável e agitado, e crianças jogando bola. Tinha casais e irmãos assando a carne, e velhinhos assistindo TV no sofá.
Sai pra passear com o cachorrinho e meninas lindas que me acompanharam.
Como não podia deixar de fazer, tirei um cochilinho depois de comer e bater papo.
Quando acordei comi um pouco mais.
Como estava havendo uma comemoração de aniversário (de um rapaz jornalista de quem fiquei muito amigo) também comi doces e bolos, assistindo às crianças se lambuzarem de brigadeiro de colher. Além do aniversariante, algumas pessoas da família fizeram pequenos discursos, e marejei os olhos emocionado quando a mãe dele falou da sua maturidade e conquistas.

No dia seguinte, acordei nesse mesmo lugar, e ao olhar na janela vi um imenso espaço verde com vacas e outros animais andando tranqüilamente. O céu continuava azul com muito sol, e um silêncio delicioso.
Me aprontei e fui, com essa família de que tanto gostei, para a missa em uma pequena comunidade rural. Relembrei cantos cristãos da minha época de colégio, e ouvi o padre com atenção. Era comemoração de aniversário de um senhor de 81 anos, e da cura de uma mulher extremamente simpática e carinhosa, que superou alguns problemas de saúde.

Em seguida fomos para uma chácara aconchegante que comportou todos os membros da família presentes, além de amigos e vizinhos. Comi a melhor mandioca cozida da minha vida.
Lá a música corria solta e todos dançavam com muita alegria e energia. Lembro de duas mulheres dançando uma música longuíssima e ótima dos Novos Baianos, ganhando uma aposta de quem conseguiria dançar a música até o fim.
Teve forró, piscina, Corinthians x Palmeiras, bate bola, bate papo. E assim veio o entardecer, o sol foi abaixando e anoiteceu.

Voltei pra casa da família, lavei meus pés sujos, e mais uma refeição gostosa me esperava... Uma torta de batata recheada e salada.
Comi, agradeci a família, e agradeci a vida por ter tido uma oportunidade tão boa, e sai me despedindo.

Entrei no carro, naquela rua cheia de casinhas lindas, e acordei no meu colchão novo.

domingo, 25 de julho de 2010

Pilares



com os pilares um pouco desbalanceados...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

I Forum Universalista - Uni-Luz




vai ser bem legal.


todos convidados.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Amo

Te amo
Te como
Completo
Sem certo
Sem errado
que me foi dado
respiro e descubro

intensifico a entrega
aceite. não nega
compreende
incorpora
entende
agora
Amo

sábado, 17 de julho de 2010

Exposição fotográfica no Zu Lai






> Prezado(a) Carlos Valadao,
>
> O Templo Zu Lai convida-o (a) para a exposição fotográfica de Maddio Jugend: A Presença do Buda no Sudeste Asiático que acontecerá no Templo Zu Lai de 10 de julho a 31 de agosto de 2010.
>
> Para mais informações, por favor, queira abrir o convite anexo.
>
> De mãos postas!
>
> Mestra Miao Duo
> Abadessa




Devo armar um comboio pra ir no sabado 24 ou 31.
Se você se animar, entre em contato!
Pi

quarta-feira, 14 de julho de 2010

em branco




Engraçado olhar para a tela em branco, e todo o potencial que ela tem para ser escrita.
Eu pensei em escrever sobre corpo, sobre homeopatia, sobre um filme (k-pax), sobre uma música (Maria Joana), mas acabei com vontade de escrever sobre o vazio.

Esse vazio sobre o qual eu falo não é a simples ausência de objetos, mas sim o espaço onde há potencial pra qualquer tipo de coisa se manifestar.

É comum chegarmos a um lugar novo, a uma pessoa nova, ou a um filme novo com muitas idéias e perguntas, com julgamentos e preconceitos. E é elementar que toda essa bagagem distorça a nossa experiência.
Também é provável que nosso senso comum entenda a palavra 'desprendimento' como algo radical e frio, como uma interdição ao desejo e renúncia ao que é mundanamente prazeroso.

Mas é possível enxergar beleza nessa experiência de esvaziar, e encarar o novo lugar, a nova pessoa ou o novo filme com a maravilha de uma criança pequena que olha tudo espantada como se fosse a primeira vez.

Mantenha sempre uma mente de principiante, encare todo e qualquer ser como um mestre que tem muito a ensinar (e isso não quer dizer se indispor a ensinar também!)

Abra bem a palma da mão onde pousa o que se ama, porque com as mãos abertas e o copo vazio, você comporta todo um universo, e abra mão de querer ter sempre razão, porque com esse desprendimento é perfeitamente possível se deliciar com as maravilhas do mundo manifesto, assim como entender que é perfeito com aquilo que se é, aqui e agora.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

recortes



Brinco que minha primeira percepção de mortalidade foi quando descobri que não vou conseguir ler todos os livros que eu gostaria. Até então, eu sentia aquela angústia ao entrar no sebo ou na livraria. Parecia que os livros estavam todos me olhando e esperando a sua vez, e o tempo passando...

Algum tempo depois notei a mesma angústia relacionada a outras áreas da minha vida. Como se eu estivesse sendo cobrado para dar atenção, pelo menos um pouco, por todos os livros, filmes, amigos, namoradas, familiares, religiões, hobbies, disciplinas.

Eu ia na feirinha anual da Pompéia ou na Festa Junina do colégio, onde grande parte do meu grupo de amigos se reunia, e tentava ficar um pouco com cada grupo, e ligava pra um por um pra ir ao seu encontro, nem que fosse apenas pra cumprimentar.
Então começou a vir o vazio, de ter ficado um pouquinho aqui, um pouquinho lá, de ter dado oi pra um prestando atenção no outro, e de no fundo não ter ficado com ninguém realmente.

Queria fazer yoga de manhã, trabalhar dez horas no dia, fazer exercício de noite, e fazer uma leitura antes de dormir. Ser 'super' homem.

Mais uma vez, chega uma percepção de mortalidade e finitude. Algo muito humano, como uma relação entre grande potencial de auto realização e vida extremamente curta pra abarcar tudo.

O movimento digital que as relações vem fazendo também me ajudaram nessa reflexão. Há muita informação, há muita facilidade de encontrar e contatar qualquer pessoa, há um mundo de possibilidades bem na sua frente, nessa telinha que você está olhando agora. Mas há também uma brevidade e finitude como limitador desse tudo.

E em um processo de maturidade a gente começa a ver completude e perfeição no parcial, no momento. E inevitavelmente vamos em direção à qualidade e intensidade das experiências, e não na quantidade.

domingo, 4 de julho de 2010

Domingo



Com uma certa frequência ouço pessoas dizerem que odeiam o domingo.
Curiosamente, tenho observado que sinto exatamente o contrário, domingo tem sido meu dia favorito na semana.
Enquanto para alguns a sensação que predomina é a de que o fim de semana está acabando, ou pior, que a segunda-feira está cada vez mais próxima, pra mim o domingo é um dia 'fora da semana'.
Pouca gente sai na rua, especialmente de manhã, e vejo mais pessoas idosas saindo para fazer mercado ou simplesmente passear.
Existe, pra mim, algo de mais apropriado para sair da minha rotina e de meus hábitos e me observar um pouco, observar a cidade e observar as pessoas.

Hoje vejo o domingo como uma oportunidade. Uma oportunidade de sair um pouco de um contexto que predomina hoje, de que tudo é feito para atingir um objetivo, para otimizar da melhor forma possível o tempo, e fazer o maior número de coisas possíveis com nosso 'tempo livre'.
Às vezes é interessante experimentar um pouco do intransitivo, não necessariamente ser algo ou fazer algo, mas sim apenas ser, ou apenas fazer, sem expectativa ou objetivo.

Como diz Gilberto Gil na canção 'Domingo no parque':

Amanhã não tem feira
Ê, José!
Não tem mais construção
Ê, João!
Não tem mais brincadeira
Ê, José!
Não tem mais confusão
Ê, João!...


Mesmo gostando tanto do domingo, enquanto escrevo ele está no seu finzinho, já são 21:23...
E isso não me angustia. Nem um pouco.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

sábado, 26 de junho de 2010

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Do Coelho

"...um coelho branco é tirado de dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque leva bilhões de anos para acontecer.

Todas as crianças nascem bem na ponta dos finos pêlos do coelho. Por isso, elas conseguem se encantar com a impossibilidade do número de mágica a que assistem.

Mas, conforme vão envelhecendo, se arrastam cada vez mais para o interior da pelagem, por onde ficam. Lá embaixo é tão confortável que elas não ousam mais subir até a ponta dos finos pêlos, lá em cima.

Só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existência.

Alguns deles não chegam sequer a concluí-la, mas outros se agarram com força aos pêlos e berram para as pessoas que estão lá embaixo, no conforto da pelagem do coelho, enchendo a barriga de comida e bebida:

— Senhoras e senhores — gritam eles —, estamos flutuando no espaço!

Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se interessa pela gritaria dos filósofos.

— Deus do céu! Que caras mais barulhentos! — elas dizem.

E continuam a conversar: será que você poderia me passar a manteiga? Qual a cotação das ações hoje? Qual o preço do tomate? Você ouviu dizer que a Lady Di está grávida de novo?"



domingo, 13 de junho de 2010

Conversa de morango



"Olha aí, os primeiros morangos! Bonita cor, bonita palavra, mas em junho? Em julho é que eles deviam aparecer oficialmente, anda tudo mudado, enfim desta vez mudou para melhor, não houve adiamento para outubro ou novembro por motivos de ordem técnica, esses motivos que a gente não fica sabendo quais sejam, mas os morangos nunca mais foram colhidos diretamente no bosque, ou, se você prefere, na campina verdejante, por dedos jovens que logo os levavam à boca, a propósito: seus lábios eram assim tão vermelhos, ou você os pintava com morango espremido? Hoje eles (os morangos, claro que não me refiro aos lábios) vêm em cestinhas de taquara ou de lâminas finas de madeira, dizem até que já brotam assim da rama acondicionados em cestinhas maiores ou menores, conforme a intenção do vendedor e as posses do consumidor, são apartamentos de morangos, né? Uns maiores, outros menores, como acontece com a gente, ai morangos! O ácido sabor cortado pela branca moleza do creme Chantilly, e essa agora, quando que morango brasileiro de hábitos silvestres podia imaginar que seria misturado a essa francesice, elducorado a sucre vanillé e todas as milongolias conotativas que o nome desperta: forêt, chateau, porcelaine, dentelles... deixa pra lá, no fundo ele gosta, é a sofisticação invadindo a natureza, morgando de inverno virou primo-rico de morango de todo o ano, sente-se e prove a sobremesa, deixe um pouco de creme, um pouquinho só, nevar a quase imperceptível penugem do seu buço, criança gosta de se lambuzar de botas e de short, caminhou para trás no tempo, aliás, pouco, não estamos no Nino's, que importância tem isso? O morango maior, esse aí, tenha paciência, vou furtá-lo de sua taça, ele me, pertence de direito imemorial, não não vamos dividi-lo, que negócio é esse? Sou capaz de brigar por causa de um supermorango, você ainda não me conhece bem, deixe eu ser glutão, egoísta e bárbaro, mas se você faz mesmo questão de um sacrifício de minha parte, e tendo em vista as altas razões que movem o coração dos dominadores, bem, eu, el-rei, vos envio muito saudar e deposito pessoalmente em sua boca o maior dos morangos do meu reino, ainda ontem ele estava exposto na vitrine de uma casa de frutas da Rua da Carioca, foi fotografado e televisionado, creio até que foi entrevistado mas falou monossílabos, não é de muito falar, morango vale por si, independente de suas idéias, uns o acharam cafona, mania dessa gente chamar de cafona tudo que foge á bitola estreita, reapre que apesar de toda essa onda ele é dos mais discretos e honrados entre os morangos da presente safra, da qual não se pode ainda afirmar que seja esplendorosa ou medíocre, repare ainda que nem é propriamente um morango gigante, cabe fácil na colher, o que há é que ele me pareceu destinado a mim por um signo invisível gravado em sua epiderme rubra, quem sabe o que os morangos levam de código, há frutas sem mensagem, vazias, podiam não existir que ninguém lhes sentiria a falta, mas o morango tem uma personalidade! Talvez eu exagre, não é tanto assim, mas há momentos na vida do homem em que é imperativo conferir propriedades novas às coisas, propriedades que podem suplantar as que lhes são imanentes, se eu não tiver o poder de exaltar ao máximo os morangos, que me resta de positivo entre estes muros e circunstâncias, me diga por favor, ah, prefere não falar, eu sei, prefere degustar um a um a porção de morangos que o garçom lhe adjudicou, por sinal que ele botou mais na sua taça do que na minha, eu faria o mesmo, gentileza não é privilégio de garçons, gentileza maior eu faria na mata municipal, não a mata virgem de jaguar e suçuarana, mas num matinho particular onde, caminhando juntos, topássemos com um silencioso pé de amora, prefiro dizer framboesa, e só uma framboesa estaria madura, para você eu a destinara desde que nasci, estava ali me, nos esperando, mágica, mística, morada como em espanhol se fala, e eu a colheria e ela se abriria, em concha, e dentro dela estaria ofertada a você a razão primeira das coisas, o inefável sentido das coisas diversas, pode levar, isto é seu, o mundo lhe pertence a partir deste momento... viu o que se pode tirar da notícia de morangos em junho, viu?"

sábado, 12 de junho de 2010

Onde está o neo-amor?



(Arnaldo Jabor)
"Eu já fiz filmes de amor. Talvez por isso, e também pela música de Rita Lee com texto que escrevi, pessoas que encontro na rua me agarram e perguntam: "Mas... afinal, o que é o amor?" E esperam, de olho muito aberto, uma resposta "profunda". Eu penso, penso e digo: "Sei lá..."
Não sei, ninguém sabe, mas há no ar um lamento profundo pelo fim do sonho platônico de harmonia, de felicidade, de happy end. Sinto dizer, mas não há mais espaço para o happy end, nem no amor, nem na política, em nada.
Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado. O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável.
O amor, e tudo mais, está perdendo a transcendência. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem Romeus nem Julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, nem a sagrada simbiose que nos traria a eternidade feliz.
O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento perder-se dentro de "olhos de ressaca", nem o formicida com guaraná. Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma paixão impossível. Existe o amor, claro. O que chamamos de "amor" vive dentro de nós como uma fome "celular". Está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e óvulo, se interpenetrando. Somos grandes células que querem se reunir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura. Se bem que grandes poetas como John Donne sabiam que não viramos "anjos" com o amor; sabiam que o amor é uma demanda da terra, para atingirmos a calma felicidade dos animais.
Mas, onde anda, hoje em dia, esta pulsão chamada "amor"? Bem... vamos lá:
Uma das marcas do século 21 é o fim da crença na plenitude, na inteireza, seja no sexo, no amor e na política. Não adianta nos lamentarmos, pois estamos diante de um mundo afetivo e sexual muito novo, que muda veloz como a tecnologia.
Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável.
Temos de parar de sofrer romanticamente porque o "acabou o amor" (ou mesmo o paraíso social...) ou, ao menos o antigo amor.
O pensamento afetivo, amoroso, ou filosófico continua lamentando uma unidade perdida. Continuamos - amantes ou filósofos - a sonhar com uma volta ao passado harmônico. Temos uma nostalgia lírica por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás. Há que perder as esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais trágico, efêmero. Em tudo.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Temos de celebrar o neo-amor. Cada vez mais só o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que não chega nunca.
Hoje, há que assumir a incompletude talvez como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.
Em todas as revistas, fotos, filmes, a "imagerie" do erotismo contemporâneo "esquarteja" o corpo humano. Vejam as artes gráficas, fotos de revistas de arte, como Photo, (ou em Tarantino) onde tudo é (reparem) decepado, dividido, pés, sapatos escarpins negros, unhas pintadas, bocas vermelhas, paus, seios, corpos imitando coisas, tudo solto como num abstrato painel. Tudo evoca a impossibilidade saudosa de um "objeto total", da pessoa inteira.
À primeira vista parece uma louvação da perversão, do feitichismo, do erotismo das "partes", do "amor em pedaços". No entanto, estamos além do feitichismo, além da perversão - conceitos do século 19.
Não há mais "todo"; só partes. O verdadeiro amor total fica cada vez mais impossível, como as narrativas romanescas.
Hoje em dia, não há mais noção do que seria a felicidade, como antigamente. O que é ser feliz? Onde está a felicidade no amor e sexo? No casamento?
Sem a promessa de amor eterno, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do amor, só as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, hotéis, motéis, perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada.
O amor hoje é um cultivo da "intensidade" contra a "eternidade". É o fim do happy end. É bom que acabe esta mentira do idealismo romântico americano, para legitimar a família e a produção, pois na verdade, tudo acaba mal na vida. Não se chega a lugar nenhum porque não há onde chegar.
O amor, para ser eterno, tem de ficar eternamente irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a "prise" não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de masoquismo; falo de um espírito do tempo. É bom sofrer numa metafísica passional, é bom a saudade, a perda, tudo, menos a insuportável felicidade.
Tudo bem, buscarmos paz e sossego, tudo bem nos contentarmos com o calmo amor, com um "agapê", uma doce amizade dolorida e nostálgica do tesao, tudo bem... Mas, a chama emocionante só vem com a droga pesada do século 21: a paixão. E isso é bom. Temos de acabar com a idéia de felicidade fácil. Enquanto sonharmos com a plenitude seremos infelizes. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a trágica substância de tudo, com o não-sentido, das galáxias até o orgasmo. Temos de ser felizes sem esperanças.
E tem mais: este artigo não é pessimista."

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Do mundo virtual ao espiritual



Nada como dar uma bela arrumada no quarto, e achar aqueles papéis antigos que você guardava, com textos e cartas.

Segue um achado:

"Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos dois modelos produz felicidade?"

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: "Não foi à aula?" Ela respondeu: "Não, tenho aula à tarde". Comemorei: "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde". "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..." "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: "Que pena, a Daniela não disse "tenho aula de meditação"!

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso, as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um super-executivo se não consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto"? "Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite"! Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra!

Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais.

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!" O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los aonde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque para fora ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald’s…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz""

quarta-feira, 9 de junho de 2010

sábado, 5 de junho de 2010

Olhe para sua vida



"O discípulo foi visitar o mestre Tan-in. Como nevava, levou consigo o guarda-chuva.

Como manda a tradição, ao entrar na casa do mestre zen, o discípulo deixou do lado de fora os sapatos e o guarda-chuva.

- Vi pela janela que você chegava – comentou o mestre. - Você deixou os sapatos à direita ou à esquerda do guarda-chuva?

- Não tenho a menor idéia. Mas que importância tem isso? Eu estava pensando no segredo do Zen!

- Se você não prestar atenção na vida, jamais aprenderá coisa alguma. Comunique-se com a vida, dê a cada segundo a atenção que merece; este é o único segredo do Zen."

sexta-feira, 28 de maio de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O que você leva na sua mochila?


"O que é merecidamente destacado em Amor Sem Escalas é a sua ânsia documental, do retrato de uma época (...) Cabe, então, fazer três breves observações quanto à importância da caracterização do momento histórico neste filme. Primeiro, porque ele põe face a face duas gerações de americanos: a dos que se demitem por mensagem de texto de celular, e a dos que apenas querem casar e ter filhos – e um marido que tenha energia para cuidar deles. De um modo bem-humorado, o roteiro encontra a metáfora perfeita para a geração da comunicação eletrônica: não encontramos mais as pessoas – podemos até demiti-las pela webcam. Segundo traço da caracterização: o sonho americano, o american way of life, degringolou. Observem como os depoimentos – vários reais, colhidos por Reitman mediante anúncios em jornais – demonstram a decepção e o rancor de um povo que, em função de uma crise econômica criada por seu próprio endividamento, se vê sem saída e sem perspectiva de reconstrução. Por último: a essência do individualismo americano, exemplificada na figura de Ryan Bingham, só parece estranha porque é caricatural ao extremo. No fundo, somos todos como ele, hoje em dia. Não existe muito espaço na mochila que carrega as relações. Ao considerar o desenrolar da trama uma fuga da intenções originais do roteiro, muitos críticos caíram na tentação de imaginar que a capacidade de Ryan de controlar os rumos de sua vida seria absoluta. Não pode ser. Até porque, do que seriam os impérios, sem as crises? Sábias as palavras, desse Ryan Bingham."

terça-feira, 25 de maio de 2010

Metade



Sem mais.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Éco




[Para uma pessoa linda]:

"PERGUNTEI á minha vida :


“Como achar a appetecida

felicidade absoluta?”

E um eco me disse :

– “Luta!” –

Lutei.


– “Como hei-de a esta pena

dar a cadencia serena

que suavisa, embala e encanta?”

O éco, então, me disse :

– “Canta!” –

Cantei.


– “Mas, como, num, verso,

resumir todo o universo

que em mim vibra, esplende e clama?”

Então, o éco me disse :

– “Ama!” –

Amei.


– “Como achar agora

a alma simples que puz fóra

pelo prazer de buscal-a?”

O éco, então, me disse :

– “Cala!” –

Calei-me.


E ele, então, calou-se.

Nunca a vida foi tão doce...

Tudo é mais lindo a meu lado :

mais lindo, porque calado."


(Guilherme de Almeida – Acaso – Versos de todo tempo - 1938)

domingo, 23 de maio de 2010

Dentro de mim


"Dentro de mim vivem dois
Um vive agora, o outro o depois.

Dentro de mim, estão o enfermo e o são

Um vive a realidade, o outro a ilusão

Dentro de mim, vive o mestre e o aprendiz

Um fala com o coração, o outro faz o que a mente diz

Dentro de mim estão a flor e o ouro

O louco corre para a cobiça, o sábio replanta o tesouro

Dentro de mim estão as trevas e a luz
Uma que aos poucos sucumbe, a outra que vem e me conduz

Mas, acima de tudo existe um, porém
Dos que dividem os dois que existem em mim

Um é amor, e o outro também..."

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O eterno problema


Há uma antiga história sobre um homem que foi ver o Buda porque ele, o homem, tinha ouvido falar que o Buda era um grande mestre. Como todos nós, ele tinha alguns problemas na vida, e achava que o Buda poderia ser capaz de ajudá-lo.

Ele disse ao Buda que era um fazendeiro. “Eu gosto de administrar fazendas”, ele disse, “mas às vezes não chove o bastante, e minha colheita é escassa. No ano passado, quase ficamos na miséria. E às vezes chove muito, de modo que meus rendimentos não são o que eu gostaria que fossem”. O Buda escutou o homem pacientemente.

“Sou casado, também”, disse o homem. “Ela é uma boa mulher... Eu a amo, de fato. Mas às vezes ela me apoquenta muito. E às vezes me canso dela”.

O Buda ouviu serenamente.

“Tenho filhos”, disse o homem. “Filhos bons também... mas às vezes eles não demonstram ter muito respeito por mim. E às vezes...”

O homem prosseguiu assim, relatando todas as suas dificuldades e preocupações.

Finalmente, ele se acalmou e esperou que o Buda dissesse as palavras que haveriam de ajeitar as coisas para ele.

Em vez disso, o Buda disse: “Eu não posso ajudá-lo.”

“O que quer dizer?”, perguntou o homem, surpreso.

“Todos têm problemas”, disse o Buda. “Na verdade, todos temos 83 problemas, cada um de nós. Oitenta e três problemas, e não há nada que você possa fazer sobre isso. Se você trabalhar duro em um deles, talvez você possa resolvê-lo – mas, se fizer isso, um outro surgirá no lugar dele. Por exemplo, você num período posterior da vida perderá seus entes queridos. E você mesmo morrerá algum dia. Ora, há um problema, e não há nada que você, nem eu, nem ninguém mais possa fazer sobre isso.”

O homem ficou furioso. “Pensei que o senhor fosse um grande mestre!”, ele gritou. “Achei que o senhor poderia me ajudar! De que serve a sua doutrina, então?”

O Buda disse: “Bem, talvez ela o ajude com o problema de número 84.”

“O problema de número 84?”, indagou o homem. “Qual é ele?”

Disse o Buda: “Você não quer ter nenhum tipo de problema.”

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A solução do mistério não importa


"Em menos de uma semana, tudo terá terminado. A história que fez que a série Lost se tornasse uma das marcas mais fortes da cultura do século 21 chega ao fim no próximo domingo, quando irá ao ar o último episódio da série, chamado apenas de “The End”.

Mas o fim da série só reforça sua importância, que vai muito além da TV. Lost criou uma mitologia própria e obrigou o espectador a especular para além da trama original, buscando links em livros clássicos e na história da religião, da ciência e da filosofia para tentar desvendar seu enigma.

Some isso ao fato de que a série acompanhou a forma como a internet mexeu com a velha mídia e desdobrou-se online, usando a rede como plataforma para divulgar mais especulações. Lost não só contava uma história – chamava seu público para participar dela, como em um jogo.

Fora dos Estados Unidos, Lost foi ainda mais importante, pois pela primeira vez na história um produto ficcional teve audiência planetária em tempo real, mérito que antes era apenas de transmissões jornalísticas e eventos esportivos. O interesse pela série fez que telespectadores de todo o planeta não esperassem a exibição dos episódios em seus países e buscassem meios – online – para acompanhar a saga simultaneamente ao público de seu país de origem.

Lost também inaugura um novo tipo de narrativa, que explora as possibilidades da era digital como nenhum filme, livro ou disco conseguiu fazer até hoje. É o produto que melhor representa como será a cultura do futuro, em que o público pode escolher entre simplesmente acompanhar uma única história ou se entregar a um universo de ramificações infinitas.

A série faz que seus espectadores sejam ativos e busquem aumentar a história a partir de sua própria participação – mesmo que isso signifique apenas especular sobre o que pode acontecer. Parece pouco, mas não é.
“O mistério representa possibilidades infinitas”, disse seu criador J.J. Abrams em uma palestra no evento TED (sobre tecnologia, entretenimento e design) em 2007. “Representa esperança, representa potencial… O mistério é um catalizador da imaginação”."

terça-feira, 18 de maio de 2010

Domingo



(Antonio Prata - Coluna do Estadão)

"
Quando o telefone tocou, minha mulher previu: "Quer ver que é o Fabrício?" - e era. Não é todo domingo que meu amigo liga, mas quase, e sempre à mesma hora: de noitinha, quando o fim de semana vai dizendo adeus e os dias úteis vão tomando, sorrateiramente, cada um de nossos pensamentos.

Embora não tenha deixado transparecer, percebi que meu amor ficou incomodado com o telefonema. Não é que não goste do Fabrício, ela adora, mas planejávamos pedir um árabe, ligar o aquecedor, assistir a um filme - e o Fabrício, em suas chamadas dominicais, invariavelmente me propõe: "Passa aqui, mano, vamos tomar umas cervejas!".

Quando eu era mais jovem, achava muito estranho as pessoas contarem o domingo como o primeiro dia da semana. Levou 30 anos para eu entender que estavam certas: o domingo à noite é a base de lançamento da semana. É a largada que, bem dada (tabule, aquecedor, vídeo, a leitura daqueles artigos infinitos nos cadernos culturais), te deixa com disposição para enfrentar a longa corrida com barreiras que começará na manhã seguinte.

Meu amigo sabe disso e é justamente por entender a importância da noite de domingo no equilíbrio geral de todas as coisas que fica angustiado, assim que o sol se põe, e me liga. Talvez algumas cervejas nos façam ignorar aquele canyon existencial: a segunda late em nossos rostos, a brisa do sábado ainda bate em nossas costas; à frente, livros a serem escritos, a dúvida se diremos algo relevante ou só repetiremos velhas bobagens, as preocupações com dinheiro e um evento ao qual não se deve faltar; atrás, a adolescência ainda fresca, aquelas promessas de nunca virar um bocó, trocar os sonhos pelo crediário; talvez até, mais longe ainda, a lembrança inata de outras épocas, em que andávamos à cavalo, usávamos espadas em vez do Word 7 for Windows e tanto fazia se era terça de madrugada ou sábado dez pras nove.

Às vezes eu vou lá na casa do Fabrício. A gente toma umas cervejas e fica empolgado. Fala bem de nossos amores e mal de nossos trabalhos. Ele me lê um poema que acabou de escrever, eu falo de um capítulo que estou começando. A gente relembra histórias de nossos ídolos literários. Eles nos parecem tão destemidos, dizendo "Sim, ao eterno" e nós, tão franzinos. Então, já de madrugada, a gente fica melancólico. Será que estamos fazendo a coisa certa? Será que não devíamos ir na direção contrária, deixar de lado a vida freelancer e abraçar uma existência globetrotter, escrever um diário, sei lá, na Macedônia? Depois disso, há um silêncio. Um de nós diz, "Mano, preciso dormir, amanhã vai ser f...", e a gente se despede, que no dia seguinte é segunda e, como se não bastasse, estaremos ambos de ressaca, respondendo e-mails e enviando notas fiscais."

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Encontros



"Há um tempo que passa, marcando com a sua passagem a caducidade dos objetos e a finitude da vida. A ele Freud se refere no seu curto e belo texto de 1915,
A transitoriedade, no qual relata um encontro acontecido dois anos antes, em agosto de 1913, em Dolomitas, na Itália, num passeio pela campina na companhia de um poeta. Ambos dialogam sobre o efeito subjetivo que a caducidade do belo produz. Enquanto para o poeta a alegria pela beleza da natureza se vê obscurecida pela transitoriedade do belo, para Freud, ao contrário, a duração absoluta não é condição do valor e da significação para a vida subjetiva. O desejo de eternidade se impõe ao poeta, que se revolta contra o luto, sendo a antecipação da dor da perda o que obscurece o gozo. Freud, que está escrevendo este texto sob a influência da Primeira Guerra Mundial, insiste na importância de fazer o luto dos perdidos renunciando a eles, e na necessidade de retirar a libido que se investiu nos objetos para ligá-la em substitutos. São os objetos que passam e, às vezes, agarrar-se a eles nos protege do reconhecimento da própria finitude. Porém, a guerra e a sua destruição exigem o luto e nos confrontam com a transitoriedade da vida, o que permite reconhecer a passagem do tempo."

O tempo que passa e o tempo que não passa - Revista Cult

sábado, 15 de maio de 2010

A sombra humana






"Abordagem interessante neste vídeo do psicoterapeuta português Emidio Carvalho sobre o lado escuro, o lado "B" que cada um de nós possui, mas que normalmente não gostamos muito de lembrar ou falar.

No centro de cada sombra humana há uma fonte de poder ilimitada. A nossa sombra é como uma mina de ouro escondida à espera de ser encontrada. Nesta mina há criatividade, coragem, auto-estima, amor, compaixão e todas as ferramentas necessárias para avançar na sua vida.

'Enquanto procuramos a luz, podemos de repente ser devorados pela escuridão... E descobrir a luz verdadeira'".

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A borboleta


"pétala amarela
a borboleta saltou
sem pára-quedas"

O grilo

"Sempre perseguido
o grilo fica tranqüilo
cantando escondido."

Vento



"Folha de jornal
vem no vento ao meu pescoço
cachecol de letras."

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Chama



"acende chama
sorriso no escuro
sol de quem ama
"

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Primeira visita


"manhã de sol
sombra do pardal no poste
primeira visita do dia"

terça-feira, 11 de maio de 2010

Aula


"Grito da sineta
na última aula. Alegria.
Depois o silêncio.
"

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SLOW





Hoje mais que nunca, o indivíduo moderno vive submergido numa particular corrida de obstáculos em que controlar o cronometro até a o último segundo determina nossa existência. A desconexão com o meio natural e o seu tempo, ligada as estações e demais fatores que escapam ao nosso controle, parece uma miragem nas sociedades ocidentais de hoje em dia. As cidades tornam-se anônimas e levitamos, submergidos no nosso peculiar universo de interesses. A pressa é o motor de todas as nossas ações e a cinética do Grand Prix envolve a nossa vida acelerando-a, economizando cada segundo, rendendo culto a uma velocidade que não nos faz ser melhores.
O movimento Slow não pretende abrir os cimentos do que foi construído até a data. A sua intenção é iluminar a possibilidade de levar uma vida mais plena e desacelerada, fazendo que cada indivíduo possa controlar e se apropriar do seu périplo vital. A chave reside num julgamento correto do desenvolvimento adequado para cada momento da corrida diária. Deve-se poder correr quando as circunstancias instam e suportar o temido estresse que em muitas ocasiões nos invade; mas ao mesmo tempo saber parar e usufruir de um presente prolongado que em muitos casos fica sepultado pelas obrigações do futuro mais imediato.

http://www.movimientoslow.com/pt/filosofia.html

domingo, 9 de maio de 2010

a alegria



"Hilaris in tristitia: conselho útil para uma época como a nossa, já saturada de horrores passados e à espera de minuciosos horrores futuros (que vão desde a metamorfose da Terra em uma panela de pressão superaquecida, povoada por seres famintos, até a possibilidade sempre presente de alguma estúpida hecatombe nuclear).
Época que – com a exceção de alguns desatentos... – já perdeu suas ilusões em utopias sociais ou econômicas. O que fazer, quando nenhum paraíso parece convincente?
A resposta talvez esteja no cálice de sabedoria amarga que Schopenhauer nos estende, com um piscar de olho zombeteiro.
Perante um mundo desgovernado, o sábio deve adotar uma postura consciente das agruras da existência, mas atenta a cada possibilidade de alegria e pautada pela ética, fruto da compaixão universal – sentimento quase milagroso que permite ao indivíduo transcender sua própria dor e identificar-se com a dos outros.
Sem esperanças de redenção absoluta, o homem sábio deve viver no presente, alegrando-se com as eventuais belezas da vida e suportando suas inevitáveis desgraças.
Escreve Schopenhauer em seus Aforismos Para a Sabedoria de Vida. “Só o presente é verdadeiro e real...
Por conseguinte, deveríamos dar-lhe uma acolhida jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, em vez de turvá-la com expressões carrancudas acerca de esperanças malogradas... Quanto ao futuro, devemos pensar: isso repousa no colo dos deuses”.

Além da prudência estoica, há outra nota de esperança na obra de Schopenhauer: a salvação pela arte e pelo conhecimento.
Em tempos de tecnocracia e utilitarismo, em que as artes são constantemente enquadradas como ferramentas de marketing ou veículos para esta ou aquela ideologia política, vale a pena retomar as ideias desse amante sincero da poesia e da música (não por acaso, Schopenhauer é um dos filósofos favoritos de escritores e artistas desde o século 19).
A arte, para o pensador, é a porta do êxtase – o caminho que nos liberta temporariamente da Vontade cega e nos permite ver o sofrimento humano com o olho neutro da estética. É um repertório de sentidos possíveis em um universo de absurdos. “Ainda que não houvesse mundo”, ele escreveu, “poderia haver música.”
Mas a contemplação do belo, para ser transcendente, deve ser desinteressada. Em outras palavras: deveríamos ler poesias, apreciar pinturas e escutar sinfonias não por obrigação curricular ou vaidade intelectual – como tantos fazem hoje em dia –, mas pela busca do deleite que nos cabe, em um mundo já suficientemente cheio de tédio e de misérias. Uma relação menos neurótica e mais erótica com a cultura é um dos bálsamos receitados por Schopenhauer para as feridas incuráveis da existência."

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