domingo, 9 de maio de 2010

a alegria



"Hilaris in tristitia: conselho útil para uma época como a nossa, já saturada de horrores passados e à espera de minuciosos horrores futuros (que vão desde a metamorfose da Terra em uma panela de pressão superaquecida, povoada por seres famintos, até a possibilidade sempre presente de alguma estúpida hecatombe nuclear).
Época que – com a exceção de alguns desatentos... – já perdeu suas ilusões em utopias sociais ou econômicas. O que fazer, quando nenhum paraíso parece convincente?
A resposta talvez esteja no cálice de sabedoria amarga que Schopenhauer nos estende, com um piscar de olho zombeteiro.
Perante um mundo desgovernado, o sábio deve adotar uma postura consciente das agruras da existência, mas atenta a cada possibilidade de alegria e pautada pela ética, fruto da compaixão universal – sentimento quase milagroso que permite ao indivíduo transcender sua própria dor e identificar-se com a dos outros.
Sem esperanças de redenção absoluta, o homem sábio deve viver no presente, alegrando-se com as eventuais belezas da vida e suportando suas inevitáveis desgraças.
Escreve Schopenhauer em seus Aforismos Para a Sabedoria de Vida. “Só o presente é verdadeiro e real...
Por conseguinte, deveríamos dar-lhe uma acolhida jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, em vez de turvá-la com expressões carrancudas acerca de esperanças malogradas... Quanto ao futuro, devemos pensar: isso repousa no colo dos deuses”.

Além da prudência estoica, há outra nota de esperança na obra de Schopenhauer: a salvação pela arte e pelo conhecimento.
Em tempos de tecnocracia e utilitarismo, em que as artes são constantemente enquadradas como ferramentas de marketing ou veículos para esta ou aquela ideologia política, vale a pena retomar as ideias desse amante sincero da poesia e da música (não por acaso, Schopenhauer é um dos filósofos favoritos de escritores e artistas desde o século 19).
A arte, para o pensador, é a porta do êxtase – o caminho que nos liberta temporariamente da Vontade cega e nos permite ver o sofrimento humano com o olho neutro da estética. É um repertório de sentidos possíveis em um universo de absurdos. “Ainda que não houvesse mundo”, ele escreveu, “poderia haver música.”
Mas a contemplação do belo, para ser transcendente, deve ser desinteressada. Em outras palavras: deveríamos ler poesias, apreciar pinturas e escutar sinfonias não por obrigação curricular ou vaidade intelectual – como tantos fazem hoje em dia –, mas pela busca do deleite que nos cabe, em um mundo já suficientemente cheio de tédio e de misérias. Uma relação menos neurótica e mais erótica com a cultura é um dos bálsamos receitados por Schopenhauer para as feridas incuráveis da existência."

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