domingo, 4 de abril de 2010
Maturidade e beleza
"Por um breve momento, quando eles têm 43 anos cada um, as trajetórias dos personagens de Brad Pitt e Cate Blanchett se encaixam e eles se olham num espelho. O que veem - e o espectador compartilha - é este instante em que maturidade e beleza se completam e contemplam. Mas é só isso mesmo - um instante na eternidade. No restante do tempo, ou nos 166 minutos que compõem a narrativa do novo filme de David Fincher -, Pitt e Cate vivem vidas paralelas e até inversas. Ela começa o filme como uma velha, num hospital de New Orleans sitiado pelo vento. Daqui a pouco, anunciam as autoridades, vai começar o furacão Katrina, que destruiu a cidade em 2005. Cate está morrendo, acompanhada pela filha (Julia Ormond). Enquanto esperam pelo inevitável, ela dá à filha um diário e pede que o leia em voz alta. O diário relata, na primeira pessoa, ‘o curioso caso de Benjamin Button’ (...)
Um bebê velho que vai remoçando à medida que se desenrola o fio de sua vida. Velho, Benjamin conhece esta garota, Daisy. Vivem vidas invertidas e só por um breve momento, diante daquele espelho, eles atingem a perfeição do seu relacionamento.
“O Curioso Caso de Benjamin Button” talvez seja o mais estranho filme a surgir de Hollywood em anos. É tão delicado, frágil, tão perfeito - por mais risco que essa palavra envolva, como definição - que quase não tem competidor, e certamente não o tem na própria obra de Fincher, por mais importantes (e influentes) que sejam alguns, ou vários, de seus filmes. Benjamin Button, dependendo da sensibilidade do espectador, da ‘sua’ sensibilidade, leitor, poderá lhe produzir, quem sabe, uma epifania.
Se for ao dicionário, você verá que a palavra designa a manifestação do próprio Cristo aos gentios, na pessoa dos Reis Magos, quando chegaram para adorá-lo. Uma manifestação do divino, portanto. Metaforicamente, um êxtase que certas obras de arte logram produzir. Dizem os especialistas que Bach produzia sua música para que os homens pudessem se comunicar com Deus e Van Gogh, numa carta ao irmão Theo, diz que o objetivo final de sua pintura é levar um pouco de consolo aos homens. Pode parecer exagerado que Fincher tenha logrado algo parecido, e num filme produzido pelo cinemão, por Hollywood. Vai depender, claro, de sua abertura para o filme, ou da sua não resistência (...)
“Benjamin Button” fala de amor, de tempo e vento. Mas lá pelas tantas ocorre outra coisa curiosa, embora talvez não tanto quanto um bebê nascer velho e ir regredindo até... Até quando? Pois essa é uma das questões que podem atordoar o público. Como vai terminar essa história? O que vai ocorrer com Benjamin? Numa cena, algo vai acontecer com Daisy e aí é a narrativa que se inverte. Em seus filmes anteriores, Fincher já levou sua câmera a insólitas viagens pelo interior do corpo humano, ou da mente. Aqui, a viagem ‘interna’ é no próprio relato. Algo vai acontecer, mas o narrador se pergunta - se uma série de situações não tivessem se encadeado, se uma pessoa não tivesse se atrasado aqui, se outra não tivesse chamado um táxi ali e assim por diante, algo talvez não ocorresse e esse ‘algo’ talvez seja a essência de Benjamin. A fragilidade. Mais do que um conto sobre a diferença, é sobre a fragilidade humana (...)
Em “Benjamin Button”, (...) e o velho retrocede até virar um bebê, sua trajetória inversa significa que, num determinado momento, ele vai se esquecer de tudo e todos e fazer sua viagem para o ventre materno, ou para a morte, não importa. O filme existe para iluminar essa trajetória, para eternizar esse momento.
Talvez, dependendo do espectador, seja tão emocionante quanto recuar, no imaginário, a um grande Ingmar Bergman do começo dos anos 70. Em “Gritos e Sussurros”, o grande diretor mostrou duas irmãs e uma ama que acompanham a agonia de uma terceira irmã, que está morrendo. Todo mundo sofre, mas Bergman termina seu filme com as quatro mulheres de branco, num jardim, como se quisesse nos dizer que a vida vale a pena nem que seja por esse momento raro de harmonia."
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